Para as empresas de ecommerce, 2020 foi um ano desafiador, mas promissor. Todos os países e a maioria dos setores tiveram um crescimento significativo das suas vendas online, e não há nenhum efeito negativo considerável à vista, pois há cada vez mais novos usuários optando por usar os canais digitais.
Infelizmente, o crescimento mais recente é também a maior armadilha neste setor. Em tempos de crescimento como este, em meio a muitas histórias de sucesso de vendas online, é fácil se acomodar e sentir que não há necessidade de transformação. Enquanto isso, há agora uma série de novos concorrentes no mercado: várias marcas de alto nível estão adotando o direct-to-consumer, até mesmo os varejistas mais tradicionais deram grandes passos em direção às vendas online e as agências de desenvolvimento têm realizado muitas contratações para lidar com a alta demanda por inovação e novos projetos, tudo isso enquanto os marketplaces continuam conquistando uma fatia maior do mercado em geral.
Nos próximos anos, quando os níveis de crescimento se normalizarem, o ambiente de concorrência será acirrado e muitas operações de ecommerce terão dificuldades para sobreviver. Com um cliente cada vez mais exigente, maior concorrência externa e mudanças tecnológicas, somente aqueles que puderem se adaptar rapidamente serão capazes de obter sucesso de forma consistente. É o novo imperativo: evoluir rapidamente ou morrer lentamente.
Tendo trabalhado 17 anos com tecnologias digitais, tive a oportunidade de viver em 6 países diferentes e em diversos setores, o que me deu a oportunidade de conhecer e entender diferentes empresas e alguns padrões que as tornam ágeis. Gostaria de compartilhar aqui algumas das principais dicas e insights para fazer com que a sua empresa evolua mais rápido.
Este é o principal fator e também o mais difícil de se trabalhar. Nas empresas líderes hoje em dia, há uma enorme vontade de contratar e promover pessoas com uma mentalidade digital, com dados, que se sintam confortáveis com tecnologias e conceitos técnicos, e que também sejam capazes de criar arquiteturas e impulsionar a mentalidade de transformação tão necessária em uma empresa ágil. Esse perfil está cada vez mais escasso, o que acaba sendo o principal desafio para a maioria das empresas.
Sobre isso, seguem algumas dicas:
Já é algo difícil de se encontrar, mas é provável que se torne cada vez pior, já que a maioria das empresas foi obrigada a lidar com transformações digitais e está atrasada em relação aos talentos da tecnologia digital.
Embora ter experiência no setor seja extremamente importante, ou até mesmo essencial, por vezes, hoje em dia, os processos seletivos são muito parciais durante a triagem em relação à experiência no setor e a maioria dos processos de recrutamento não está dando a devida importância à habilidade com o digital.
As empresas líderes já construíram capacidades para incentivar seus próprios líderes digitais. A recomendação aqui é identificar quem são os seus e trabalhar para ver o que os está impedindo de conduzir a transformação na sua empresa. Estabelecer planos claros para desenvolver essas pessoas, pois isso fará toda a diferença nos próximos anos. É importante mencionar aqui que não estou falando dos “nativos digitais” vs as gerações mais antigas. Enquanto as novas gerações têm a vantagem de terem um maior habilidade com o mundo digital, o talento digital não se trata apenas de saber usar a tecnologia, trata-se mais de entender conceitos tecnológicos e ser capaz de aplicar a tecnologia em direção a um objetivo e isso é algo que não está intrínseco em nenhuma geração específica. Por isso, encontre-os e desenvolva-os.
Isto se aplica a empresas mais complexas, nas quais é fundamental a criação de uma equipe de voluntários de todas as funções/departamentos para representar suas áreas em projetos de inovação. É muito importante que esta equipe seja composta de voluntários, pois o papel dos inovadores não deve ser atribuído a pessoas que têm a iniciativa e a vontade de participar.
Durante os meses iniciais da pandemia, conversei com alguns diretores de ecommerce na expectativa de que, como o online era o único canal disponível, sua influência na empresa tivesse aumentado significativamente. Foi surpreendente saber que em alguns casos, segundo um gerente me disse, a sua equipe não pôde sequer enviar uma newsletter por meses, já que não tinha a imagem mais recente da campanha. Ficou claro que, nessas empresas, a alta administração impediu a agilidade da equipe online, o que acabou prejudicando diretamente as vendas. Por outro lado, vi uma empresa rápida que durante o auge do isolamento social, deu total autonomia a um colaborador de marketing para se comunicar com os clientes. Isto permitiu comunicações rápidas sobre fechamento de contratos, mudanças nas estimativas de entrega, mensagens de produtos de home office e uma comunicação muito mais humana com os clientes em um momento em que era necessário. É fundamental que em tempos de mudanças muito rápidas, os níveis mais baixos da empresa sejam capazes de fazer mudanças com a maior autonomia possível. Em empresas maiores, vemos frequentemente equipes globais que geralmente surgem como especialistas no assunto, que com o tempo evoluíram para poderosos grupos com poder e controle centralizados. Esta centralização muitas vezes faz com que o custo das políticas e da stack tecnológica seja menor, mas pode também reduzir drasticamente a velocidade da inovação.
Algumas como: SCRUM, Lean Development, Crystal, Kanban etc. Há várias discussões acaloradas por aí sobre qual é a melhor. Pela minha experiência profissional, todas elas são igualmente boas, se devidamente implementadas. Opte pela implementação de qualquer uma delas, mas implemente-a corretamente.
O Google criou um termo para deixar claro a todos os seus colaboradores a abordagem tradicional de gerenciamento que não deve ser adotada. Eles aconselham a sempre evitar a abordagem HIPPO (“Highest Paid Person Opinion”), a qual vemos com frequência nas empresas, em que o gerente sênior acaba tomando uma decisão baseada na sua intuição. As empresas líderes não contam com a opinião de uma pessoa, elas criam hipóteses e testam tudo. Ecommerces como a Amazon, Netflix, Booking.com e muitos outros líderes são conhecidos por realizar milhares de testes A/B por mês.
Fundamentalmente, as empresas têm que ser eficientes e ganhar dinheiro, se eu posso vender acima do meu custo, eu tenho um negócio. Então o negócio cresce… São criados departamentos, sistemas integrados e processos em constante evolução etc. À medida que cresce, a mentalidade de eficiência está sempre presente. A oportunidade que temos em todas as empresas é que à medida que elas se tornam mais complexas, a gestão da eficiência tende a se tornar cada vez mais transacional. Eles se concentram em algumas métricas que raramente mostram o panorama completo. Na maioria das empresas, o “custo unitário” é o objetivo principal e não o “custo geral”.
Um dos melhores casos de mudança de mentalidade necessária nas empresas é o do grupo varejista espanhol de moda Inditex, proprietário da marca Zara. A Zara foi fundada em 1975 e expandiu-se para o mundo nos anos 90 e 2000, que foi a época em que a maioria dos grandes varejistas de moda já estabelecidos tiveram que mudar a sua cadeia de suprimentos, ou já estavam fazendo-o, para o sudeste asiático. O baixo custo de mão de obra na região significava que o custo unitário da produção dos artigos de vestuário seria menor em comparação com os custos da produção local, mesmo considerando a logística. Durante esse período, o custo-benefício era tão evidente que a grande maioria dos varejistas de moda se deslocou para lá. Armancio Ortega, fundador da Zara, viu a situação de forma diferente.
Embora o custo unitário de offshoring fosse inegavelmente menor, ele se certificou de aumentar a cadeia de suprimentos da Zara para o mais próximo possível do mercado consumidor da Espanha. Esta produção local, juntamente com um sistema de informação bem construído para integrar a cadeia de suprimentos, significava que, embora o custo unitário fosse significativamente mais alto, promoveria maior agilidade. Embora a GAP e a H&M levassem de 9 a 12 meses para entregar uma coleção desde o seu design até às lojas, a Zara teria sido capaz de fazer o mesmo em apenas 2 semanas. Esta agilidade é a vantagem competitiva que qualificou a Zara como a maior varejista de moda. Além disso, isso significava que a Zara não precisava prever tendências futuras, podia simplesmente reagir às demandas dos clientes, o que, por sua vez, fez com que a Zara vendesse mais estoque sem oferecer descontos ou se desfazer dele, pois não teria excedente de produção. Mesmo hoje, os principais concorrentes da Zara ainda lutam para corresponder a esta agilidade. Ela não tem o menor custo unitário, mas tem o melhor custo geral.
No mundo do varejo, o custo unitário de produtos e serviços é a métrica mais fácil de gerenciar, por isso os esforços são concentrados nela. Por outro lado, a agilidade que proporciona eficiência do sistema é impulsionada em um nível estratégico e é muito mais difícil de medir ou projetar, é por isso que as melhores oportunidades se encontram nisso. Precisamos nos concentrar mais na velocidade para ter a capacidade de nos adaptarmos às mudanças no comportamento e das expectativas dos clientes e ao cenário competitivo.
Para dar um exemplo mais prático, hoje vemos poucos varejistas avançando em direção a um modelo de marketplace em seus ecommerces. Esta é certamente uma tendência a ser considerada, pois oferecer produtos de sellers externos aumenta a agilidade para ampliar o sortimento de produtos, o que melhora a experiência do cliente e também aumenta a monetização do tráfego. Hoje, os marketplaces estão crescendo duas vezes mais rápido que os ecommerces, pois podem ampliar rapidamente o sortimento, o que resulta em um crescimento mais rápido e lhes permite atender melhor os seus clientes.
Também é verdade que quando falo com os varejistas sobre o conceito de se tornar um marketplace, eles muitas vezes pensam na Amazon e até rejeitam a ideia pela complexidade e diferença no modelo. No entanto, o conceito de tecnologia hoje permite um modelo mais colaborativo, que é um “marketplace suave” em que o varejista não precisa planejar um que conte com milhares de sellers. Muitas vezes, com um, dois ou apenas alguns sellers, os benefícios do marketplace já podem ser alcançados.
Um dos meus cases favoritos é o de uma loja de moda romena chamada Miniprix, que aconteceu durante o período de lockdown, consequência da COVID-19. Em poucos dias após o início do isolamento social, eles adicionaram um seller de produtos alimentícios básicos, cujos produtos estavam em alta demanda no momento. Com isso, eles aumentaram o tráfego e conseguiram aumentar ainda as vendas de produtos de vestuário já que houve um maior interesse e tráfego no site.
Portanto, o que se pretende aqui é olhar para as áreas do seu negócio em que o foco sempre foi o custo unitário talvez tenham causado desperdícios sistemáticos, seja na cadeia de suprimentos, recursos humanos, processos e normas, ou ferramentas e tecnologia. O que me leva ao último ponto.
O pilar final e fundamental dessa jornada consiste em como uma empresa consegue usar a tecnologia para alcançar agilidade e os objetivos de negócio.
A realidade é que os varejistas estão, em muitos casos, mal preparados para planejar e comprar tecnologia. Frequentemente, as ferramentas tecnológicas são integradas de forma muito improvisada, em que o roadmap das implementações é resultado direto da opinião de uma só pessoa (o HIPPO já mencionado), em vez de seguir uma visão clara da arquitetura futura. Muitas vezes, os varejistas são atraídos por palavras como “Inteligência Artificial” ou “conversational commerce”, sem uma compreensão clara do conceito tecnológico por trás disso. Para poder construir uma arquitetura que gere um diferencial para a empresa, é fundamental entender bem estes conceitos tecnológicos e como eles podem ajudá-lo a atingir seus objetivos.
Seguem, portanto, algumas dicas práticas para a construção de uma stack de tecnologia ágil e para garantir a agilidade dos negócios:
Maturidade digital | Conhecimento técnico | Capacidade técnica | Visão técnica |
Estágio inicial | Não domina conceitos técnicos, tem conhecimento limitado do ecossistema tecnológico. | Experiência limitada em integrações de sistemas complexos, nenhuma capacidade de desenvolvimento | Nenhum roadmap tecnológico definido |
Iniciante | A equipe tem um conhecimento vasto, mas básico, de conceitos técnicos e de ecossistema | Pode ter um desenvolvedor técnico, mas geralmente ainda depende de ajuda externa para a maioria das iniciativas | Pode ter um roadmap de futuras implementações, mas não segue uma arquitetura futura clara |
Avançada | A empresa participa ativamente no ecossistema, geralmente tem um CTO com profundo conhecimento técnico em conceitos | Tem capacidade de desenvolvimento interno e experiência em integrações complexas | Tem um roadmap em direção a uma arquitetura bem definida |
Alto nível | A empresa é referência no setor | As equipes internas de desenvolvimento são altamente eficientes com metodologias claras de desenvolvimento com padrões de código e requisitos de documentação para escalabilidade | O roadmap segue uma arquitetura definida com desenvolvimento interno limitado a objetivos que criam vantagens competitivas muito específicas para a empresa |
É provável que as empresas tenham projetos fracassados quando não estão cientes de suas reais capacidades ou não as utilizam adequadamente. Exemplos de problemas: uma empresa em “estágio inicial” que tenta escolher uma tecnologia sem a assistência de uma agência ou consultor, ou uma empresa “iniciante” tentando desenvolver a sua própria stack técnica só porque “os líderes de mercado estão fazendo o mesmo”, ou uma empresa “avançada” que tenta desenvolver toda uma arquitetura interna gastando demais em áreas que não geram diferencial e que sofrem com problemas técnicos. A realidade é que esta falta de auto-avaliação geralmente resulta em empresas tomando decisões como se tivessem capacidade tecnológica de alto nível e que então cometem inúmeros erros.
Ao definir uma estratégia de arquitetura e tecnologia, é fundamental avaliar não apenas as funcionalidades internas, mas também o nível de maturidade deste segmento em específico. Por exemplo, em termos de tecnologias de e-mail marketing de ecommerce, ERPs, CRMs, as plataformas de comércio são áreas tecnológicas extremamente maduras. Existem milhares de opções no mercado para todos os tipos de necessidades e nichos. É muito provável que, se você estiver desenvolvendo ou mantendo as suas próprias funcionalidades de e-mail marketing, você esteja desperdiçando recursos preciosos. Por outro lado, temos tecnologias de inteligência artificial, busca por voz, visão computacional que são muito menos maduras. Existem empresas que entraram cedo no mercado e vários projetos inovadores, mas não há players estabelecidos no mercado nem muitos cases de sucesso que possam ser reproduzidos.
A importância dessa avaliação é definir a estratégia de go-to-market para cada área. Portanto, se a sua empresa deseja explorar aplicativos de machine learning que usam machine learning de redes neurais, é muito provável que haja uma grande necessidade de desenvolver projetos personalizados. Por outro lado, hoje em dia, as empresas de primeira categoria geralmente contratam parceiros e plataformas tecnológicas externas para construir suas tecnologias em áreas que elas sabem que não representam um diferencial.
No mundo das plataformas de ecommerce, por exemplo, nossa tecnologia encontra-se hoje em dia nas plataformas SaaS. Analistas globais de tecnologia como a Gartner e o IDC já consideram a nova geração de plataformas nativas na nuvem como superiores, pois tais plataformas já são flexíveis o suficiente para se adaptarem às necessidades de negócio e trazem uma infinidade de benefícios, tais como baixo custo total de propriedade, time-to-revenue mais rápido e agilidade para o negócio. Embora ainda existam usos claros em que uma solução on-premise ainda possa ser a melhor, na maioria dos casos hoje, as soluções SaaS são muito superiores em relação ao atual nível de maturidade do mercado. Entretanto, ainda hoje, em muitos mercados, as soluções on-premise ainda são dominantes devido ao status quo ou ao pensamento de “preço unitário”.
É fácil comparar os custos evidentes de licença e de projeto, que são a armadilha aqui. É mais difícil projetar todos os custos de evolução, agilidade e manutenção que tornam as plataformas SaaS geralmente melhores, e mais ágeis ao proporcionar funcionalidades de customização necessárias. Há um grande exemplo de como uma cadeia de supermercados regional foi capaz de aumentar 10 vezes as suas vendas online em 5 dias durante o confinamento, aproveitando a flexibilidade de uma arquitetura SaaS.
Toda vez que você cria um aplicativo personalizado, você cria custos. Tais custos devem ser pagos durante toda a vida desse pedido. Um dos livros mais recomendados “The Lean Startup” de Eric Ries ensinou a uma nova geração de empresas de software que um dos pontos-chave é minimizar as funcionalidades àqueles que realmente trazem valor. Esta é uma ótima leitura para este caminho de digitalização. Tenho visto muitas vezes empresas se envolverem em desenvolvimentos de projetos de código aberto ou desenvolvimentos personalizados que não eram necessários por pensarem que uma vez desenvolvidos, eles seriam “independentes”. Na maioria das vezes, tais projetos fracassam ou se tornam uma operação que desperdiça muito dinheiro.
O problema é que muitas vezes é fácil desenvolver a entrega inicial, mas depois há as evoluções e mudanças no projeto. Em seguida, a equipe muda. Se você tinha 3 desenvolvedores no projeto e um sai, de repente 1⁄3 do código é praticamente desconhecido por você. Com o passar do tempo, há cada vez mais correções, já que a arquitetura inicial é raramente adequada às necessidades futuras. Finalmente, o desenvolvimento chega a um fim inevitável quando se torna muito caro para realizar quaisquer melhorias. Quando este ponto é alcançado sem um planejamento adequado de um aplicativo fundamental da empresa, a empresa torna-se significativamente mais lenta e entra em modo de sobrevivência.
É por isso que é fundamental escolher tecnologias que tenham demonstrado capacidade de evoluir constantemente e que sempre tenham um orçamento para as futuras necessidades de evolução quando se trata de desenvolvimento. É fácil encontrar exemplos de antigos líderes de ecommerce presos à tecnologia legada perdendo participação no mercado. O custo técnico é uma das principais razões pelas quais as marcas e operações poderosas irão fracassar no futuro, por isso, entenda-a e mantenha-se atualizado. Não reinvente a roda! Concentre-se apenas nos desenvolvimentos que gerem um diferencial.
Espero que estas dicas o ajudem nos próximos anos e convido-o a compartilhar este artigo e entrar em contato comigo caso queira manter o debate aberto. Eu adoraria descobrir novos cases e pontos de vista!