A NRF Big Show, realizada anualmente em Nova York no mês de janeiro, é uma oportunidade única de “medir o pulso” do varejo americano em cada início de ano e, ao mesmo tempo, identificar os gaps entre o que acontece nos Estados Unidos e a realidade brasileira. Depois de alguns anos em que as diferenças se tornaram reduzidas, a edição deste ano consolidou a visão de que a crise econômica fez com que o varejo nacional ficasse mais distante do que é tendência mundial no setor.


As empresas mais inovadoras do varejo brasileiro têm investido em inovação e em sua transformação digital, compreendendo que precisam agir como startups: ágeis, dispostas a errar, desenvolvendo projetos que começam pequeno e escalam rapidamente em caso de sucesso. O que Magazine Luiza, Via Varejo e Boticário, entre outras, têm feito representa uma ruptura com o que tradicionalmente significa ser “varejo”: extremamente eficiente na execução de processos definidos e imutáveis.


Mas o consumidor mudou e exige hoje uma experiência muito diferente da tradicional, que, com o uso de tecnologia, pode transformar completamente a forma como as marcas se relacionam com os clientes. Mobilidade, chatbots e recursos de voz (o que tem sido chamado lá fora de “conversational commerce”) criarão um varejo muito diferente daquele que conhecemos hoje.


O exemplo mais radical vem da China: lá, o mercado de meios de pagamento móveis saiu do zero há cinco anos e hoje movimenta cerca de US$ 5 trilhões. Quem domina esse mercado não são os bancos tradicionais, mas Tencent e Alibaba, que não se definem como empresas de tecnologia ou e-commerces, e sim como plataformas digitais que englobam mídias sociais, e-commerce, marketplaces, soluções de pagamento, serviços de marketing, mídia e entretenimento. Como apontou Lee McCabe, VP do Alibaba na América do Norte, durante sua apresentação na NRF Big Show, o varejo precisa deixar de ser um elo na cadeia de distribuição e se tornar uma plataforma de serviços.


Negócios sem fronteira


Estamos já acostumados a ouvir que as fronteiras entre online e offline estão caindo, mas o fato é que as fronteiras entre NEGÓCIOS estão caindo. Os consumidores se relacionam com marcas, não com canais, e o próximo passo é lidar com a mesma marca em toda parte, aproveitando as facilidades geradas por um relacionamento mais profundo com uma única plataforma. É dessa forma que Google e Amazon têm posicionado seus negócios.


O próximo passo nessa trajetória é tornar os processos de pagamento invisíveis. No varejo físico, a Amazon Go e a Hema (rede de supermercados do Alibaba na China) indicam um futuro muito próximo em que os clientes não precisarão passar por um checkout para comprar. Na área dedicada a inovações do NRF Big Show deste ano, startups apresentaram soluções para pagamento invisível, mostrando que em breve esse tipo de solução estará disponível para empresas de todos os portes.


E-commerce sem checkout



O “conversational commerce” foi um dos temas quentes da NRF Big Show 2018, e seus impactos serão vistos não apenas nas lojas físicas, mas também no e-commerce. No online, o fim do checkout está chegando pelo relacionamento dos clientes com sistemas de Inteligência Artificial que realizam o processamento das transações de maneira mais fluida. A grande vedete são as soluções de voz, em que Alexa (Amazon), Google Home, Siri (Apple) e Cortana (Microsoft) despontam.


Nos Estados Unidos, a ideia de comprar por voz vem ganhando espaço muito rapidamente: de acordo com o relatório “Future of Retail 2017”, 24% dos americanos possuem um equipamento controlado por voz e 20% pretendiam comprar um dentro de 12 meses. Dos que possuem o equipamento, um em cada cinco fizeram pelo menos uma compra utilizando Amazon Echo ou outro assistente digital, sendo que outros 33% pretendem fazer isso neste ano.


Amazon Echo e Google Home são as grandes forças impulsionando a compra auxiliada por voz. Uma amostra disso foi o Prime Day 2017 (dia especial de compras da Amazon, em 11/07), em que o item mais vendido foi o Echo Dot (a versão de entrada dos dispositivos de voz da empresa). A parceria entre Google e Walmart para viabilizar compras via voz no site da varejista a partir dos dispositivos equipados com o Google Home mostra que as compras por voz não são uma moda passageira.


Ao longo do ano passado, o conversational commerce também ganhou força em outras frentes. Em agosto, a Levi’s anunciou um novo chatbot que responde perguntas sobre estilo, enquanto a Sephora investiu em chatbots para ajudar os clientes a escolher os produtos mais adequados a seu tipo de pele. A japonesa Uniqlo testou wearables que se comunicam com o catálogo de produtos da marca para oferecer recomendações de produtos mais adequadas a cada cliente.


Os avanços em Inteligência Artificial e processamento de linguagem estão finalmente permitindo que tecnologias que existem há décadas ganhem escala e se tornem mais comuns no dia a dia dos consumidores.


Conforme o relacionamento dos clientes com as marcas se torna mais transparente, menores se tornam as barreiras para a substituição por um produto concorrente. A comScore prevê que, em 2020, 50% das buscas na internet serão ativadas por voz, pois são muito mais práticas e rápidas do que digitadas.


O aperfeiçoamento dos sistemas de voz permitirá o processamento de formas mais naturais de conversação, fazendo com que os consumidores não precisem seguir fórmulas definidas pelos desenvolvedores.


Um dos pontos mais ressaltados nas palestras, na feira e nas conversas de corredor durante a NRF Big Show foi o fato de que a experiência do consumidor assumiu papel central e, com isso, o varejo (seja online ou off-line) precisará dialogar cada vez mais com seus consumidores para se manter relevante. Curiosamente, é a tecnologia que tornará o relacionamento das marcas com os clientes menos artificial.